quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Da dificuldade de encontrar o meu lugar

Minhas origens sempre foram um mistério. Uns dizem que tenho cara de boliviano, un dizem mexicano, outros acham que sou japonês. A verdade é que eu também não sei. Desconfio que meus olhos puxados venham de herança indígena, porque se vocês virem a minha avó dirão que é uma índia velha de cabelos encaracolados. Também nada posso afirmar com certeza sobre minhas raízes, pois a única coisa que sei de meu pai é o primeiro nome, que me disseram ser Carlos.
A família de minha mãe é composta, 90% de negros. Meu falecido avô era tão negro que brilhava à luz do sol, minha mãe é um pouco mais morena que eu, o que se deve ao sol que toma todas as manhãs, mas por incrível que pareça, entre meus primos eu era considerado branco. Era considerado por eles como sendo mais fraco, ninguém me chamava pra brincar de muita coisa, porque segundo eles o "branquelo" ia se machucar e chorar, e chorar era comigo mesmo. Não podia cair e me ver machucado que chorava como se não houvesse amanhã. Então aprendi a brincar sozinho, o que foi bom de uma certa forma, porque aprendi a ler e desenhar.
Já na escola, eu conseguia me misturar mais, por haver crianças de todas as raças. Até que minha mãe resolve entrar na minha história.
Minha mãe trabalhava e morava no Rio de Janeiro. Ia em Minas me ver de dois em 2 meses, às vezes de 3 em 3, e assim eu seguia crescendo e tendo ela como uma visita, e minha avó como mãe. Eu estudava em um dos melhores colégios da cidade, pois minha mãe achava que o melhor que ela podia me dar era pagar colégios caros, e economizava pra isso. Economizava também no carinho, nos abraços. Tanto que eu fiquei chocado no dia que vi um coleguinha meu de escola ganhando um beijo no rosto quando fora deixado no portão. Perguntei escandalizado:
_Sua mãe te beija?
_Minha mãe e meu pai, ué.
Não consegui pensar em nada. Minha mãe nunca me beijava e pai eu nem nunca soube o que era.
Um dia, em uma dessa de suas idas a Minas, minha mãe disse que precisava resolver uns probemase pediu que eu esperasse ela na porta do colégio. Estudava no Colégio Imaculada Conceição, regido por freiras que devem estar ardendo no inferno a uma hora dessas (outro dia explico o porquê).
Espalhei pra todos os meus amigos, que eram pouquíssimos por sinal e na verdade eram só meninas, que minha mãe iria ao colégio e eu ia me encontrar com ela no portão. Na hora da saída enchi o meu peito e fui, com umas 3 meninas em direção ao portão. Lá estava ela.
_Alá, minha mãe tá lá!
_Cadê, Charles?
_Ali ó, no canto do portão, me esperando.
_Onde? Atrás daquela preta?
Adivinhem quem era a preta que apontaram.
Fiquei mudo, andei mais rápido, peguei minha mãe pela mão, olhei com um misto de tristeza e decepção para as três, que não sabiam onde enfiar a cara, desde então eu percebi que meu lugar não era ali.

11 comentários:

Raullzito disse...

e então, vc encontrou seu lugar?
se não o encontrou, no dia que o achar, me leva junto?

por favor.
bjoo

Anônimo disse...

Lembrar da infancia com essa riqueza de detalhes é para poucos. Conseguir colocar no papel, menos ainda... Imagino suas historias como num seriado.

Bjs

Anônimo disse...

nossa amor, fodaa essas coisas
Não posso falar que sei como é , mas eu sempre fui o sozinho sem amigos então por um lado até sei.
Mas sabes que amo você né! Pra o que precisar do aqui, sempre do seu lado ;)

Saudades de falar com você também!
:* :*

Camila Barbosa disse...

Lindo demais esse texto, esse relato;
às vezes a gente sente que nosso lugar é longe daqui.
To sem palavras e tentando degerir o que acabei de ler.
Ja encontrou seu lugar?

Obs: o Léo (thunder)me passou seu blog. rs

Anônimo disse...

Não te conheço mas conheço as duas dores:
a falta da mãe
o sentimento de estranheza diente do mundo
aos 55 de idade, te escrevo: nem sempre essas dores são só prá doer.
vc tá tí se expondo, e essa coragem, é para poucos.
assim como, essa ousadia "de ser", é oriunda apenas da solidão.
Qto a sua raça, vai ler "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro.
Somos um coquetel genético.O que não é ruim.
Teus escritos são mt bons!

Lele Siedschlag disse...

te amo. to com saudades.

Ana Paula Xavier disse...

eu tenho um lugar pra vc dentro do meu coração, quer?

:)

F. disse...

tenho 26 anos e ainda não sei o meu lugar.

wilsonemov disse...

fica metade no coração da ana, e metade no meu, e olha só, te amo...

ok, odeio domingos.

Alex disse...

Super me identifiquei pq também estudei num colégio chamado Imaculada Conceição ^^'

Anônimo disse...

Garoto sortudo...