sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A Morte

Essa noite eu sonhei que ia morrer de acidente de carro. Era meu destino morrer assim. Acordei pensando no que significava a morte. Quando eu era pequeno eu tinha muito medo de morrer, porque sempre me disseram que eu era uma criança ruim, e que as pessoas ruins iam pro inferno. E se há um lugar onde não quero estar quando eu morrer, este lugar é o inferno. Mas a morte pra mim sempre foi algo muito distante, até o dia em que quis morrer e tomei água com sabão em pó e tomei uma coça por desperdiçar o sabão! 
Depois disso, tive alguns contatos breves com a morte, como do dia que deixei um pintinho cair no tacho de toucinho fritando e tomei outra coça por desperdiçar o toucinho. 
Mas a morte chegou mesmo na minha casa junto com a Tia Iracema. Ela era irmã de minha avó, e se recusava a aceitar que tinha câncer no estômago porque câncer era doença de gente ruim, como se ela houvesse algum dia na vida sido uma pessoa muito boa e merecedora da vida eterna. Porém, a doença foi avançando e, quando ela resolveu se tratar, era tarde demais. Já com uma certa idade, sem filhos, com um marido um tanto quanto inútil e morando no Rio de Janeiro, Tia Iracema foi pra Minas pra morrer onde tinha nascido.
Dois meses depois e vinte quilos a menos, Tia Iracema morreu. Cheguei da escola e, no lugar dos sofás da sala, haviam cadeiras e um caixão imenso com flores amarelas e a tia deitada lá. Suei frio, tremi e passei meio que correndo pela presunta. Daí, me explicaram a morte da maneira mais pedagógica possível:
_Tia Iracema bateu as botas!
Voltei até a sala e olhei de longe pra cara dela. Parecia que estava dormindo e meio que rindo da gente, pois a cara dela tinha um ar de "Vocês vão continuar se fodendo aí e eu tô com minha missão cumprida". Mas outra coisa me chamou a atenção. Uma bolota que surgia entre as flores dentro do caixão. A curiosidade foi maior que o medo e cheguei perto pra ver. Num misto de medo e, admito, um pouquinho de nojo, coloquei a mão naquilo e vi que era o dedão do pé da velha. 
_Mãe! Corre aqui! A Tia Iracema tá sem sapato!- gritei.
Tomei uns tapas pra aprender a ser discreto e aprendi que, além de não gostar de escândalos, a morte também não permitia sapatos!