segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Experimentando


Meu avô fumava cigarro de palha, que ele chamava de "continempaia" em alusão ao cigarro "continental" que era popular na época por ser um dos poucos que se econtrava nas vendinhas próximas ao sítio. De manhã ele fazia o ritual de preparação dos cigarros que fumaria durante o dia. Ia até o paiol e procurava uma espiga de milho bem bonita, com a palha grande e lisa. Tirava umas palhas e recortava as pontas com seu canivete de cabo de osso até elas ficarem todas em um formato retangular pra enrolar o cigarro. Depois ia até o quartinho onde guardava o fumo de corda e tirava umas lascas que depois desfiava e punha pra secar na chapa do fogão à lenha, enfurecendo minha avó:
_ Deixa de ser porco, Tião! Tô fazendo o café e tu vem com essa porcaria catinguenta pra cá!
_ Não me amola, mulher! Deixa eu secar meu fumo! Eu, hein?
Depois de ouvir a ladainha e restrucar coisas que eu não decifrava, e nem a minha avó, sob pena de uns respingos de água quente no lombo ele retirava o fumo, sequinho e desfiado. Sentava no alpendre e enrolava uns 5 ou 6 cigarros bem substanciosos que depois ficariam na janela da cozinha. Quando dava vontade de fumar ele passava por lá e pegava um. Sentava embaixo de alguma árvore ou na beira de um barranco e soltava longas baforadas de uma fumaça azul, que saía pelo canto da boca bailando no ar como uma serpente desengonçada.
Um dia, chamei o Nêgo, meu primo e cúmplice, e tive a brilhante idéia de furtar um cigarro. Eu tinha 7 anos e o Nêgo já tinha quase 9. Como o cigarro era grande, achamos melhor dividirmos um só. Pegamos o dito cujo e mais um tição no fogão e corremos para a horta, num lugar onde a fumaça não seria vista e poderíamos fumar à vontade. As primeiras baforadas vieram seguidas de um gosto sêco, e trouxeram uma tosse interminável. Mas não podíamos desistir. Mais uma tentativa e conseguimos dar uma bela tragada e soltamos a fumaça aos poucos, que nem o velho. Mais duas dessas e começamos a ouvir um zumbido. As árvore sao redor começaram a correr em círculos à nossa volta, achamos q era por isso que o vovô fumava sentado. Sentamos também, mas o enjoo não parava o céu foi ficando esquisito, parecia que ia cair e engolir a gente. O café da manhã recusou-se a ficar no estômago.
_ Nêgo- chamei por meu primo. Me dá a mão que eu vou morrer!
Fechei os olhos e acordei umas duas horas depois com a mãe chamando pra almoçar. Levantei com dificuldade e o Nêgo ainda estava ali do lado. Levantamos ainda meio cambaleantes e fomos pra casa. O almoço pareceu pesado demais, não conseguimos comer. Depois fomos pro nosso quarto, discutir a experiência.
_Que coisa esquisita! Tu ainda tá zonzo, Nêgo?
_Eu tô, amanha a gente fuma a outra metade!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sobre a dor...

Muito pequeno aprendi o que era a dor... Qualquer coisa que se fizesse em casa era motivo pra apanhar. Já apanhei de cinta, de chinelo, de vara de marmelo, de correia de motor, de cabo de vassoura, de pedaço de pau. O que me doía mais, é que quem fazia isso comigo era a pessoa que eu mais amei, e que amo até hoje. Me lembro que às vezes eu me encolhia no chão enquanto apanhava tentando me proteger das pancadas que vinham como uma chuva de pedras. Um dia resolvi gritar, numa tentativa de intimidar o agressor:
_Desgraçada! Tomara que eu morra e tu vá pra cadeia apodrecer no xilindró!
Apanhei dobrado por praguejar e ainda levei um murro na boca.
Uma vez, depois de ter feito algo errado, o que não era difícil aos olhos dela, eu fugi e me escondi no meio do milharal. Ouvia gritarem meu nome, mas o medo de apanhar era tanto que nem me deixava respirar direito. Começou a anoitecer, esfrioou e eu resolvi voltar pra casa. Apanhei por ter ficado escondido e fui dormir sem jantar. Não por ser proibido de comer, mas por não querer comer a comida feita pela mão que tanto me machucava.
Outra vez eu corri quando vi que ia apanhar e enquanto corria, senti uma pancada forte e não lembro de mais nada. Como ela não podia correr, havia me jogado um pedaço de pau que acertou em minha cabeça e eu desmaiei. Quando acordei, desejei que tivesse morrido pra que aquilo parasse. Mas não parou... Enquanto eu vivi lá, minha vida foi assim... Acho que é por isso que, por mais que eu sinta saudade, eu não consigo ficar por muito tempo naquele lugar que um dia foi o meu lar.