Maria de Fátima era diferente das outras meninas da escola. Era feia, era branca do cabelo ruim, era dentuça e tinha costeletas longas que meio que pareciam uma barba. As meninas da escola que andavam comigo riam dela. Era pouco inteligente, chamada de burra pelos colegas de classe e também por algumas professoras. Às vezes, na hora do recreio, risinhos sarcásticos e dedos apontados pra ela a faziam encolher-se e sentar-se num cantinho. Ao contrário dos outros alunos que usavam a camiseta da escola, ou roupas bonitas nas cores permitidas pela direção, Maria de Fátima usava uma saia que parecia um avental (eu chamava de jardineira) e uma camisa social branca. Apesar de já estarmos no ginásio, esse era o uniforme do grupo, e dava pra notar pelas marcas da bainha refeita e pelas pences abertas nas costas que Maria de Fátima já usava essa roupa fazia anos. Eu não me aproximava dela, apenas a olhava de longe. Me sentia sem-graça quando alguem que estava perto de mim ria da menina feia e às vezes esboçava uma risadinha, mas por dentro meu coração se apertava. Eu sabia quem era Maria de Fátima e parece que ela também sabia quem eu era.
Um dia, a mãe não me deu dinheiro pro lanche. Era bobeira ter que comer na escola, afinal em quatro horas estaria de volta em casa pra almoçar e um pedaço de bolo bastava, ou uma banana, que eu comia escondido quando levava porque era fruta barata, não era maçã que nem dos outros. Mas nesse dia de fome, nem banana, nem bolo, nem nada. Sentei-me num cantinho do pátio e lá veio ela. Fiquei com medo, pois andava com os meninos e meninas que riam dela, e lembro de ter feito isso uma ou duas vezes. Ela chegou perto e segurava um pão com manteiga embrulhado num pano. Dividiu no meio com as mãos, olhou pra mim e disse:
_Toma, come comigo! Eu sei que você está com fome.
Aceitei e comi, ela sentou-se do meu lado e começamos a conversar. Maria de Fátima tinha uma voz linda e sabia de muitas coisas legais. Ela sorria e seus dentões brilhavam, sorrindo junto! Agradeci e pedi pra ela me esperar na hora de ir embora.
A aula acabou. Saí da sala junto com ela e os outros me olharam esquisito. Mudei o caminho pra conversar mais com ela e pegava o ônibus já cheio, sem lugar pra sentar. Mas aprendi com Maria de Fátima que aparências valem menos que gestos e que a beleza vem junto com a generosidade. Desde então eu soube que, sendo rico ou pobre, usando roupa boa ou uniforme, comendo banana ou maçã, o que importa é o que você é por dentro. E agradeço a você, Maria de Fátima, por ser essa pessoa linda e por me dar essa lição que carrego até hoje e que agora passo adiante. Há muita gente precisando te conhecer!
6 comentários:
Charlie,
Já fui uma Maria de Fátima.
Tomara q ao redor dela hoje, gravite pessoas com a mesma atitude desencanada q vc teve coragem de ter.
Besos.
Charlie,
Já fui uma Maria de Fátima.
Tomara q ao redor dela hoje, gravite pessoas com a mesma atitude desencanada q vc teve coragem de ter.
Besos.
minha avó sempre diz: por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.
Eu era um dos que ria da Maria, verdade... mas NUNCA te deixaria passar fome, entao acho que nao sou de todo mal... sou? hahaha
Btw, Flavia MORRO com esse ditado do pao bolorento! hehehe
que história bonita.
adoro as coisas que você escreve aqui. :)
Essa vou mostrar p minha filha. Quero muito que ela cresca sabendo o que e valido e duradouro. Resistir a pressao dos "populares" e ser gente nem sempre e facil. Que bom p Maria de Fatima e pra voce, que voce conseguiu.
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