Acordei hoje com essa palavra me martelando as ideias: perdão. Pensei em buscar a origem da palavra e tecer teorias sobre o assunto, mas todo mundo sabe que eu não sou assim. Então resolvi falar do perdão do meu jeito mesmo, do meu jeitão.
A minha avó, a mãe que tanto amei, foi uma das pessoas mais rancorosas que eu conheci na vida. Ficou quase 30 anos sem falar com um irmão, irmão que ela amava, tudo isso por se negar a perdoar. A reconciliação dos dois foi uma das coisas mais bonitas que eu já pude presenciar na minha vida toda. Mas o que me encafifou foi o fato de ter demorado tanto pra eles se perdoarem. Por que tanto tempo se privando um das risadas do outro, das histórias, das lembranças? Seguindo o exemplo da mãe, minha tia Inês é outra mestre na arte do rancor. Daquelas que atravessam a rua pra não ter que passar perto de quem ela não gosta, que prende a respiração pra não ter que dividir o mesmo ar com um desafeto. Pra quê?
Daí eu vim pra São Paulo. Na cidade grande e fria, percebi que muitas pessoas mal se falavam. Não tinha muitos amigos de verdade até que, por obra do acaso, me inseri num grupo de pessoas que me enchiam de orgulho. Era uma família unida, coisa que eu nunca havia tido. Estávamos sempre juntos pro que desse e viesse. Mas nem tudo é perfeito. Começaram a surgir coisas que foram tornando a convivência de todo o grupo menos agradável. Não sei se chamo de inveja, oportunismo, ego. Eu só sei que conseguiram fazer algo que eu achava até então impossível. Enfraqueceram o elo que unia o grupo. Se formaram grupos paralelos, os defeitos de todos começaram a superar as qualidades, havia discussões e brigas quase que semanais. E com o desgaste, o elo se rompeu. Não conseguiu mais suportar unir a todos com o peso que essas coisas traziam.
Hoje, eu que transito entre esses mundos que se formaram paralelamente, por alguns deles, fico me perguntando o que levou a essa situação. O que teria sido mais forte que uma amizade de anos a fio, que uma confiança extrema adquirida. O que seria tão ruim que pudesse ter causado essa ruptura tão brusca e cheia de tristeza. Porque me lembro muito bem que o elo me dizia sentir muita tristeza. E a dor que via em seus olhos aperta aqui o meu peito enquanto eu estou escrevendo isso. Essa dor e essa tristeza, fez com que o amor se afastasse, a desconfiança e a insegurança ganhassem força e essa família hoje está tão enfraquecia que eu não sei mais se é uma família.
Penso porém que ainda há uma chance. Acredito em ver todos reunidos celebrando a felicidade. O que precisa é a oportunidade de haver um perdão, um perdão sincero. Sem conversas que busquem achar um culpado, ou uma razão pra que as coisas acontecessem.
Essa semana mesmo, me senti leve por perdoar a minha mãe. Que me feriu muito com uma escolha que fez pesando em sua felicidade. Mas com a Tia Vera eu aprendi uma coisa. Ela disse no velório da nossa Gabi que antes de virmos a esse mundo, escolhemos tudo pelo que vamos passar. Ao ouvir isso eu pensei e decidi perdoar minha mãe. Liguei pra ela na semana seguinte, porque perdoar não acontece de uma hora pra outra, num estalo, e conversei com ela. Não mencionamos sequer a palavra perdão ou reconciliação, mas pelo tom da conversa eu senti o perdão aceito. A voz mansa e o riso fácil vieram logo após o alô.
Isso que eu espero dos que estão à minha volta. Que aceitem as coisas que aconteceram e não levem isso adiante. Perdoem uns aos outros e vivam o que tem que ser vivido juntos, sentindo o apoio e o amor enquanto podemos estar juntos. Porque se for esperar, pode ser que a hora certa não chegue. E aí, vai restar pedir perdão a Deus, mas não acho que isso adiante muito, porque Deus não foi quem ficou magoado nessa história.